Entrevista a Yul Jabour,
da Comissão Política do PCV

Mais força aos trabalhadores <br> para construir o socialismo

Hugo Janeiro

O aprofundamento do processo bolivariano e a resolução dos problemas suscitados no seu percurso, exigem que os trabalhadores sejam protagonistas maiores do projecto transformador colectivo cujo propósito é, assumidamente, a construção do socialismo, sublinhou Yul Jabour, da direcção do Partido Comunista da Venezuela (PCV), em entrevista concedida ao Avante! durante a sua estadia em Portugal, no início deste mês.

É necessária uma nova correlação de forças em que os trabalhadores assumam uma posição de vanguarda

Image 13442

A vitória de Nicolás Maduro nas presidenciais de 14 de Abril ocorreu com uma margem menor do que se julgava. O que é que sucedeu?
Julgamos que se deveu à confluência de vários factores. Uma parte considerável do nosso povo identificava o processo bolivariano com Hugo Chávez, não fazendo, após a sua morte, a mesma identificação com Nicolás Maduro. A desmobilização do combate eleitoral de certos sectores chavistas, que julgaram que a comoção de milhões de venezuelanos em torno do desaparecimento do comandante se traduziria automaticamente nas urnas, também não ajudou a um melhor resultado.
Por fim, subsistem dificuldades e debilidades que ainda não foi possível solucionar, as quais, a par da sabotagem no sector eléctrico que durou praticamente todo o período da campanha, e de problemas económicos com impacto directo no bolso dos trabalhadores, abriram espaço à penetração do discurso da direita e à sua aproximação no sufrágio.

Preocupa o PCV que, na sequência dos resultados eleitorais, tenham emergido críticas públicas a aspectos do processo?
Para nós a crítica e a autocrítica são revolucionárias. A crítica construtiva, expressa com o objectivo de fazer avançar o processo de libertação nacional e de emancipação do nosso povo, é sã.

Falavas nas sabotagens. Estas não aconteceram apenas no sector eléctrico, mas, segundo o governo venezuelano, também por via do açambarcamento de géneros provocando escassez...
A questão de fundo, para o PCV, relaciona-se com os desafios que enfrentamos. Só iniciando a superação de alguns constrangimentos estaremos em posição combater a burocracia e a ineficiência, e dar respostas eficazes a manobras económicas.
Quando propomos uma missão de reindustrialização do país enquadrada num plano de médio e longo prazo, estamos a focar a questão da aposta no sistema produtivo como essencial para conquistarmos a verdadeira soberania, para nos tornarmos menos dependentes da importação de bens de consumo e das suas consequências. Este é um aspecto.
Outro, prende-se com uma proposta pela qual nos temos batido: a centralização das importações nas mãos Estado, permitindo a vigilância e o controlo da entrega de divisas a empresas, evitando que as divisas entregues não sejam usadas na aquisição dos bens de que o nosso povo carece em cada momento.
Um outro elemento, ainda, é a necessidade de reforçar o papel dos trabalhadores na planificação da produção em empresas públicas e privadas. Avançar com a lei dos conselhos socialistas de trabalhadores, que o PCV apresentou na Assembleia Nacional, e que tem como objectivo instituir o controlo operário e aprofundar o processo bolivariano.

Essa proposta pode agudizar o debate político e ideológico no seio das forças bolivarianas e suscitar fissuras no campo revolucionário?
O aprofundamento do processo bolivariano agudizará a luta de classes. Isso é evidente. Mas não é por isso que o PCV, de forma fraterna, deixa de suscitar esse debate com a sociedade venezuelana e com as forças que participam nas estruturas unitárias. Fazemo-lo, desde logo, no conselho político do Grande Pólo Patriótico, que integramos lado a lado com sectores diversos.
O nosso partido estimula a discussão – incluindo com o presidente Nicolás Maduro – sobre como garantir a unidade dos trabalhadores e fazer destes os protagonistas prevalecentes da construção do projecto colectivo transformador, cujo objectivo é o socialismo.

A construção do socialismo levanta enormes desafios. Quais são as prioridades que o PCV aponta para a sua concretização?
Construir uma nova correlação de forças onde os trabalhadores assumam uma posição de vanguarda, preservando a unidade, a organização, a disponibilidade e mobilização, mas reforçando a consciência do seu papel. Nesse sentido, mantemos um trabalho muito focado no aumento da nossa influência nas empresas e locais de trabalho. É uma prioridade que julgamos ser um contributo para que as forças patrióticas e revolucionárias cumpram o seu propósito.
Por outro lado, empenhamo-nos em agrupar os sectores mais consequentes num Bloco Popular Revolucionário, aliança que se articula com a já existente, de cariz anti-imperialista, forjada com sectores da pequena e média burguesia não submetida e os movimentos sociais, mas que poderá acrescentar dinâmica e desenvolver o objectivo do socialismo.

O presidente da Colômbia recebeu em Bogotá o candidato derrotado da direita venezuelana, Henrique Capriles. O governo da Venezuela protestou veementemente. Qual foi a posição do PCV?
Não nos estranhou que um governo que representa a oligarquia, que promove há décadas uma guerra contra o seu próprio povo, contra os seus trabalhadores e camponeses, tenha tomado essa atitude. Mostra os interesses de classe que defende e, por conseguinte, a sua filiação aos sectores venezuelanos que também estão vinculados ao imperialismo, ao grande capital internacional.
Entendemos que o governo venezuelano deve manter relações com governos de todo o mundo, desde que observados os princípios do respeito e da reciprocidade. Os povos venezuelano e colombiano têm uma história comum, laços de amizade e convivência saudáveis. Isso é importante.Porém, nunca nos enganámos quanto às aproximações de Juan Manuel Santos à Venezuela. No final, o que conta são os interesses de classe que defende o governo colombiano e o carácter de classe daquele regime.



Mais artigos de: Internacional

FAO distingue Venezuela

O presidente Nicolás Maduro, recebeu, domingo, em Roma, a distinção que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) entregou à Venezuela pelo cumprimento antecipado de uma das chamadas Metas do Milénio. Segundo a...

Turcos não vergam

A greve geral convocada para segunda-feira por duas grandes centrais sindicais foi a resposta popular à repressão com que o governo da Turquia procura travar os protestos.

Guião conhecido

Bachar al-Assad rejeita as acusações de uso de armas químicas por Damasco, reiteradas a semana passada pelos norte-americanos, que repetem a narrativa das agressões ao Iraque e à Líbia.

Justiça e resistência

Organizações sociais e partidos políticos de esquerda declararam o 15 de Junho como o Dia da Luta pela Terra no Paraguai. A iniciativa foi decidida quando se assinalou um ano sobre o massacre de Curuguaty, no qual morreram 11 trabalhadores e seis policiais, e que foi usado como pretexto para a...

Protestos alastram no Brasil

Milhares de pessoas voltaram a protestar, ao final da tarde de segunda-feira, em grande cidades brasileiras contra o agravamento das tarifas dos transportes públicos urbanos. Informações publicadas no portal do Partido Comunista do Brasil dão conta de grandes acções de massas...

Luta não cessa no Chile

Os trabalhadores dos portos e da indústria do cobre vão manifestar-se a 26 de Junho, no mesmo dia que os estudantes chilenos o voltam a fazer para exigirem uma educação pública, gratuita e de qualidade. A convocatória foi divulgada depois de 100 mil alunos se terem manifestado em...

Correa alerta para golpe

O povo equatoriano e os militares devem manter-se vigilantes e prontos a mobilizarem-se para defender a democracia, apelou, sábado, o presidente do país. Rafael Correa explicou que após ter travado a venda ilegal de terrenos da Força Aérea, bem como lançado a...

Obamacare - A pedagogia da desilusão

Porque na guerra entre classes não há fronteiras nacionais, a solidariedade entre os povos é uma necessidade prática. Não são só os trabalhadores que aprendem com as vitórias e derrotas de outros proletários do mundo....